segunda-feira, 9 de março de 2009

Capítulo Imprescindível

Éramos-crianças-totais. Nosso singelo pacto: tocar todas as campainhas da vizinhança. Mais que coragem, era preciso essa entrega a qualquer prazer infantil. Quem desejava se aproximar, tinha que ter consciência de que seria chamado de bobo. Muitos se aproximavam por esta razão. Não éramos cegos; apenas fingíamos não ver e era impressionante como acertávamos sempre. Sem nunca saber como.

Já sabíamos intuitivamente que mulheres e pássaros não gostam de gaiolas. Sabíamos também que até o silêncio que partia de cada um de nós era um capítulo à parte. Éramos pura vanguarda.

Alguns vertiam sobre nós imensos olhos de pena. E tinham razão: desistimos de ser provos como desistimos de ser astronautas. Foi por essa época que a cigana nos disse: livrem-se dos seus livros. eles só fazem mal.

Foi quando um de nós se esqueceu como era dormir. Ficávamos deitados por muito tempo sobre o tapete da sala, tentando adivinhar que horas eram. Escrevíamos longas cartas para dizer apenas que não sentíamos saudades. Soubemos que a vida sexual da gente não tinha nada a ver com a vida real. Não queríamos mais saber de contar vantagem aos nossos netos. Eu me cansei da situação e fui embora, dizendo: remédios ajudam.

Foi mesmo assim: de repente.

Às vezes penso: não é que eles não tenham coragem. É que eles estão de luto.